15 de agosto de 2010

Texto da Setença que invalidou o PL 671/07 - Plano Diretor

Entidades responsáveis pela Ação Civil Pública: Movimento Defenda São Paulo, Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo - Facesp, Centro Gaspar Dias de Direitos Humanos e Instituto Pólis.

Processo nº: 053.08.111161-0 Classe - Assunto Ação Civil Pública - Atos Administrativos Requerente: União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior e outros Requerido: Municipalidade de São Paulo Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcos de Lima Porta
VISTOS.

UNIÃO DOS MOVIMENTOS DE MORADIA DA GRANDE SÃO PAULO E INTERIOR e outros, qualificados nos autos, movem ação civil pública em face da MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO.
Alegam, em síntese, que o requerido deixou de observar na elaboração do anteprojeto de revisão do Plano Diretor do Município de São Paulo os princípios urbanísticos da gestão democrática da Cidade e da participação popular. Por isso, querem: i) a invalidação do projeto de Lei 01-067/2007; e, ii) a condenação do requerido na obrigação de realizar pelo Poder Executivo Municipal o efetivo processo de tramitação do anteprojeto, com a observância do direito de participação popular consistente nos itens descritos à fl. 21.
A Municipalidade foi intimada para se manifestar sobre o pedido liminar, nos moldes do artigo 2º da Lei 8.437/92, e prestou as informações.
Em preliminar, alega a existência de conexão entre esta ação e o processo que tramita perante a 10ª Vara Fazendária, eis que ambos questionam a falta de participação democrática no anteprojeto legislativo.
No mérito, considera que a medida liminar deve ser indeferida por conta da ampla participação popular que envolveu o projeto.
Inicialmente, alega que a Municipalidade partiu o projeto em dois por vontade própria, uma vez que não haveria sentença nos autos do processo da 10ª Vara Fazendária. Desta feita, após a obtenção de efeito suspensivo no agravo de instrumento interposto contra a medida liminar que ordenou o desmembramento dos projetos (do Plano Diretor e Regionais) a Municipalidade teria realizado a divisão dos projetos. Pondera que após a denegação da medida liminar em sede de cautelar preparatória e da denegação da tutela antecipada na ação civil pública (principal) realizou 4 (quatro) audiências públicas.
Quanto ao prazo de convocação, considera que os 15 (quinze) dias de antecedência superaram o exigido pelo Decreto nº 43.300/03, e que esta foi realizada tanto por veículos oficiais quanto por veículos extra-oficiais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo.
Alega que todos os documentos foram disponibilizados na Secretaria de Planejamento (SEMPLA) e em cada uma das Subprefeituras, além dos veículos digitais.
Quanto ao número de audiências, pondera que foram realizadas 4 (quatro) audiências públicas (zonas norte, sul, leste e oeste), 31 audiências regionais em cada uma das subprefeituras, além de outras 5 (cinco) reuniões extraordinárias da Comissão Municipal de Política Urbana (CMPU).
Diante da alegação de ausência de efetiva incorporação de idéias colhidas nas audiências públicas, a Prefeitura alegou que as propostas foram sucessivamente divulgadas, sendo certo que a encaminhada ao PL adotou inúmeras críticas e sugestões dos munícipes.
No que tange ao período de tempo para manifestação popular nas audiências, pondera que sob o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, os 2 (dois) minutos disponibilizados são plenamente adequados.
Ademais, ponderam que as pessoas tornavam a falar após o fim de seu período previsto do edital, até porque a Municipalidade não teria feito uma rígida fiscalização junto aos participantes.
Em ataque ao argumentado pelas requerentes, considera que o pretendido é incutir no Juízo uma substituição de uma discricionariedade tipicamente administrativa por um juízo subjetivo das associações proponentes.
Em contraposição ao argumentado curto período de existência do anteprojeto, a Municipalidade pondera que, em realidade, a discussão e os debates sobre a Revisão do Plano Diretor, os Planos Regionais e a Lei de Uso e Ocupação do solo remontam o ano de 2005, explanando sobre todo o procedimento técnico realizado. Salienta, ademais, que todos os documentos relativos aos debates estavam disponíveis na sede do SEMPLA e nas 31 subprefeituras, além do acesso digital, de modo que inexistiu qualquer violação ao princípio da publicidade.
Explicita que o atual Plano Diretor em seus artigos 284 e 285 dispõe sobre a organização da CMPU, o que foi devidamente respeitada e garantida sobremaneira a participação popular no projeto.
Ao fim, considera que a Lei Orgânica do Município somente impõe à Administração a convocação de 2 audiências públicas para o fim de democratizar o Plano Diretor, o que foi de todo ultrapassado pela Municipalidade. Quer, por isso, o indeferimento da medida liminar.
A Defensoria Pública requereu sua participação no feito como litisconsorte ativo facultativo.
A requerente litisconsorcial manifestou-se sobre a preliminar de conexão, por considerar que o pedido mediato, assim como as causas de pedir, remota e próxima, divergem substancialmente, o que impediria qualquer identidade de objetos. Com isso, o resultado lógico é o de que a causa de pedir também seria por completo divorciada do feito que tramita perante a 10ª Vara da Fazenda Pública.
Remetidos os autos ao Ministério Público, este apresentou manifestação. Primeiramente, manifestou-se contrariamente a legitimidade ativa da Defensoria Pública, requerendo o indeferimento de seu pedido de participação no pólo ativo da ação. Em relação a conexão, requereu pelo seu indeferimento, por conta da diferença de objeto das ações. Já no que tange à medida liminar pleiteada, pugna pelo deferimento.
Intimada, a Defensoria Pública argumentou que a ação versa sobre direitos difusos, no que se estariam insertas, inclusive, a população menos abastada do Município. Afora isso, após uma ponderação sobre a substância dos direitos metaindividuais e sobre a sua representatividade em Juízo, considera que a legitimação ativa desta ação é concorrente e disjuntiva.
Às fls. 885 e 886, a preliminar de conexão foi afastada, a Defensoria Pública foi admitida no pólo ativo da ação, restando a medida liminar indeferida.
Citada, a Municipalidade apresentou contestação. Em preliminar, alegou novamente a conexão desta ação com a que corre perante a 10ª Vara Fazendária, sob o número 1927/2007.
No mérito, alega que foram realizadas 4 (quatro) audiências públicas após a divisão do anteprojeto de lei, com convocação com prazo de 15 dias, sendo certo que todos os documentos relativos ao novo anteprojeto, nos moldes do edital de convocação, estavam disponíveis no SEMPLA e nas 31 subprefeituras, além de restarem publicados na própria internet. Esta convocação teria sido através de veículo extra-oficial exemplos: jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo além do próprio Diário Oficial do Município.
As quatro audiências foram realizadas nas regiões norte, sul, leste e oeste, o que terminaria por caracterizar o escopo de abranger de maneira eficiente todas as regiões das cidades.
Quanto ao período de 2 (dois) minutos, torna a salientar sua suficiência e a ausência de fiscalização rígida dos munícipes, que freqüentemente extravasavam a limitação editalícia. Ademais, considera que pelo número de pessoas que desejavam falar, a proporcionalidade imperou de modo que todos tiveram a oportunidade de se pronunciar, o que não ocorreria se inexistisse limitação temporal ou se esta fosse maior.
Salienta, ainda, que a participação popular será ainda maior por conta das outras duas audiências públicas que serão realizadas pelo Poder Legislativo, nos moldes do artigo 41 da Lei Orgânica do Município.
Quanto ao esposado da inicial, imputando ao anteprojeto de lei um curto período de análise, argumenta que o início real do anteprojeto se deu ainda em 2005. Este procedimento teria como marco inicial a portaria 2.395, de 9 de março de 2005, onde foi inaugurado um grupo de trabalho, que contou em 2005 com 19 reuniões técnicas. Em dezembro do mesmo ano teria sido criada uma comissão na CMPU para assessorar a revisão, sendo que até meados de 2006 teriam sido realizadas 10 reuniões técnicas da comissão. Posteriormente, mais 12 reuniões teriam tomado existência no segundo semestre de 2006, com a participação da Secretaria de Planejamento, Secretaria do Verde e Meio Ambiente, dos Transportes, da Habitação, da Infra-estrutura Urbana, tal como de representantes de cada uma das subprefeituras. Com base nisso, desde agosto do ano de 2006 ocorreram 3 reuniões técnicas, em referência as redes estruturais da Cidade. Em setembro, ainda teria ocorrido reunião extraordinária do CMPU para permitir a Secretaria Municipal dos Transportes expor especificamente sobre a mobilidade. Prorrogado o prazo de revisão até 2007, através a Lei nº 14.253/06, em abril de 2007 a Secretaria do Planejamento teria concluído as análises de todas as propostas de alterações realizadas pelas assembléias regionais e subprefeituras. Ainda em abril o anteprojeto teria sido apresentado pela primeira vez pela Câmara Técnica de Legislação Urbana.
Em maio o anteprojeto foi apresentado através de reunião com todos os envolvidos e agendadas as audiências públicas com o escopo de apresentar o anteprojeto à população.
Antes, contudo, ocorreu o desmembramento do anteprojeto, e então teriam sido realizadas as 4 (quatro) audiências públicas, tãosomente no tocante à Revisão do Plano Diretor. Especificamente quanto ao princípio da gestão democrática da cidade, considera que, não houve desrespeito, tanto por conta da publicidade realizada, pelas audiências públicas convocadas, pelos projetos disponibilizados de modo completo, como também pelo resultado obtido, que comprova que o meio foi adequado para a publicidade que se esperava, uma vez que evidente a adesão da população às audiências realizadas. Quer, por isso, a improcedência da pretensão inicial.
Intimadas para réplica, as requerentes argumentaram que é incabível a conexão, uma vez que os objetos das demandas são frontalmente diferentes, além de também o ser a causa de pedir.
No mérito, alegam que muito embora tenha a D.
Procuradoria Municipal afirmado que as sugestões e críticas da população foram inseridas no anteprojeto, nos autos inexiste qualquer prova nesse sentido, de modo que incabível a tese de que a finalidade legal foi atingida. Ademais, considera que a exemplo da audiência pública realizada no auditório da CETESB, estas audiências não possuíram a formatação necessária para permitir à população, a compreensão daquilo que era discutido. Também, salienta que a Municipalidade deixou de apresentar os estudos que justificassem ou motivassem as propostas de alterações para o Plano. Em não se sabendo os motivos, tal como em inexistindo qualquer sistematização daquilo que se expôs pelos cidadãos durante as audiências, é incabível considerar que de fato existiu a participação democrática. Ressaltaram outros pontos da inicial e pugnaram, pois, pela procedência da pretensão inicial.
Em manifestação, a Defensoria Pública se opôs a preliminar de conexão, por vislumbrar que a causa de pedir e o pedido são diferentes. Em se tratando da citação da Mesa Diretora da Câmara Municipal, a Defensoria considerou válida uma vez que a Câmara possui capacidade para estar em Juízo, de acordo com a figura da equiparação da pessoa jurídica. No mérito, inicia por alegar que a Municipalidade jamais regulamentou o artigo 143, §4º, da Lei Orgânica de São Paulo, que impõe a criação de lei para reger o processo administrativo específico de elaboração do Plano Diretor, sendo certo que o Decreto 43.300/2003 é insuficiente quando confrontado com a reserva legal que circunscreve a disciplina.
Quanto ao decreto, ainda considera que também fere as recomendações do Conselho das Cidades, de modo que inviável considerá-lo proporcional e razoável, sendo que aqui a presunção de legalidade dos atos administrativos se inverteria e caberia ao Município a prova de que é fiel às recomendações.
Em confrontando o processo ocorrido com as resoluções do Conselho, sustenta, em síntese, que a direção do processo ficou a cargo da Secretaria de Planejamento, sendo a CMPU apenas uma participante, o que afronta o estipulado pela Resolução 13/2004, não sendo equiparável ao Conselho das Cidades Municipal; também, que inexistiu a ampla comunicação pública, em que se descumpre a Resolução 25/2005, já que a mídia impressa não tem o condão de atingir toda a população paulistana; inocorreu divulgação dos resultados dos debates e propostas apresentadas nas audiências públicas, o que permitiria uma participação popular simulada, salientando, ainda, que não se pode identificar qualquer sugestão ou crítica acolhida, nem os motivos dos desacolhimentos; as audiências teriam sido realizadas tão-somente em uma rodada, e tão-somente por zonas, o que impediu a pluridade de debates; inexistiu integração do projeto de revisão com o processo participativo do sistema de planejamento orçamentário, o que torna inseguro o cumprimento do artigo 40, §1º do Estatuto das Cidades; e restou ausente qualquer capacitação para a população ter maior compreensão do plano, além de inexistir campanhas publicitárias que sensibilizassem a população para participar, muito menos elaborado um sistema que tornasse fácil a mobilidade dos que pretendiam participar. Salienta, por fim, sobre a importância da participação democrática na gestão das cidades, que houve desrespeito às previsões de revisão do Plano Diretor atual, requerendo, enfim, a procedência da pretensão inicial.
Novamente remetidos os autos ao Ministério Público, este se manifestou. Considerou inexistente a conexão e, no mérito, que as 4 (quatro) audiências públicas realizadas foram insuficientes para um Município do tamanho de São Paulo, explicitando que tão-somente o Conselho das Cidades poderia estabelecer parâmetros para verificar se a participação popular de fato ocorreu. Em outro momento, argumenta que o processo que segue desde 2005 não se presta a conferir a participação popular que se alega ter existido. Isso porque o Plano Diretor e os Planos Regionais deveriam ser produzidos separadamente, o que não ocorreu até a separação dos planos, em 2007. Neste ínterim, as questões locais, debatidas nas audiências regionais antes realizadas, sobrepujaram as questões gerais por serem mais palpáveis aos olhos da população. Ademais, quando do desmembramento do anteprojeto guerreado perante a 10ª Vara Fazendária, todo o processo administrativo anterior de qualquer forma não teria validade, uma vez que voltado para outro anteprojeto. Ao final, ponderando sobre a importância da participação popular e ressaltando o desvirtuamento das leis regentes, além dos temores de ver o Plano Diretor se transformar em mera carta programática, uma vez que os instrumentos previstos no Plano Diretor de 2002 não foram criados a exemplo do parcelamento ou utilização compulsório do solo ou edificação, sob pena de IPTU progressivo opina pela procedência da pretensão inicial.
A Câmara Municipal requereu sua citação para o processo entendendo que tem pertinência subjetiva para a causa.
Remetidos os autos mais uma vez ao Ministério Público, este se manifestou contrariamente a citação da Câmara Municipal, por considerar que é esta somente tem legitimidade jurídica para defesa de suas prerrogativas, o que não é o caso.
Requereu o julgamento antecipado do feito.
É o relatório.
DECIDO.
A preliminar da conexão já foi apreciada e diante da inexistência de recurso tornou-se definitiva.
De fato, a Câmara Municipal não detém pertinência subjetiva para esta causa porque se trata de um órgão público sem personalidade jurídica e pertencente ao Município de São Paulo que já faz parte do processo.
Consolida este entendimento o fato de que este caso não se trata de defesa de prerrogativas institucionais o que, em tese, justificaria a intervenção.
Nesse sentido é a manifestação ministerial de fls. 1112 e 1113 que aqui é adotada como parte integrante desta decisão.
A lide comporta julgamento antecipado nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, visto que diz respeito tão-somente à matéria jurídica.
A pretensão inicial é em parte procedente.
Isso porque ao se fazer uma analise de legalidade e de legitimidade sobre o processo administrativo municipal que teve por fim a expedição de ato administrativo específico e final, qual seja, de definir o conteúdo para elaboração do projeto de lei a ser remetido à Câmara Municipal de Vereadores, conclui-se pela existência de incompatibilidades dele com sistema jurídico em vigor, em especial, com a Constituição Federal, com o Estatuto da Cidade e com a Lei Orgânica Municipal.
DO DIREITO A PROPRIEDADE E DA SUA FUNÇÃO SOCIAL EM INTERRELAÇÃO COM O PLANO DIRETOR O art. 182, par. 1º., da Constituição Federal prevê a necessidade do Plano Diretor e com a edição do Estatuto da Cidade, elementos importantes foram adicionados à sua definição jurídica, surgindo um novo texto e um novo contexto.
Esta nova atmosfera jurídica deu uma nova feição ao direito de propriedade que passou a abranger a relação entre um sujeito ativo determinado e uma infinita gama de sujeitos passivos potenciais. Isso ocorre por conta do reconhecimento da propriedade como direito fundamental (natural positivado) do direito do titular.
A propósito, Nelson e Rosa Nery bem explicitam: “A CF 5.°, XXII, garantindo o direito de propriedade, celebra o princípio do respeito à propriedade que consiste em reconhecer a cada um o direito ao respeito de seus bens. Duas vertentes principais decorrem daí, imediatamente: a) a primeira, que ressalta a natureza de direito fundamental do homem, que o direito de propriedade revela; b) a segunda, o caráter da obrigação positiva do Estado, no sentido de adotar as medidas necessárias para assegurar ao proprietário o gozo efetivo de seu direito de propriedade (CF 5.°, XLI).” (Nery Junior, Nelson, e outros. Código Civil Comentado, 4ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 732) Previsto em essência no artigo 5°, caput e inciso XXII, CR, e disciplinado no título III, desde o artigo 1.228 do Código Civil pátrio, é assegurado a todo indivíduo a faculdade de uso, gozo e disposição da coisa.
Isso, todavia, não é novidade, já que desde a época em que não havia Estados, onde apenas se formavam agrupamentos humanos, a sociedade primitiva já detinha respeito pela ligação entre o homem e a coisa, oponíveis a todos os demais, estabelecendo a fruição sem limitações ou interferências.
Enquanto direito fundamental, o direito à propriedade faz parte dos direitos de primeira geração, assim, ao menos, identificam um dos grandes doutrinadores: “A primeira geração seria a dos direitos de liberdade, os direitos das revoluções francesas e americana; a segunda seria a dos direitos democráticos de participação política; a terceira seria a dos direitos sociais e dos trabalhadores; a quarta a dos direitos dos povos.” (Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria das Constituições, 7ª ed., Coimbra: Editora Almedina, pág.
386) Tal classificação advém de seu reconhecimento como direito originário em face de um Estado de Direito nascente, seguido pelo controverso período de revolução social primordial francesa, que veio a estabelecer em face do Estado a garantia da existência de direitos individuais absolutos.
Entretanto, com a evolução do Direito, verificou-se que nenhum direito, nem mesmo os fundamentais, seriam de todo absolutos, e por conta disso, do caráter absoluto da fruição, restaram as restrições, para as exclusividades as servidões, e para a perpetuidade vieram as desapropriações.
Espalhados pelo ordenamento jurídico pátrio são casos em que o interesse público coletivo jurisdizado impõe limitações ao direito de propriedade, o que ocorre em essência, pois, no caso do Plano Diretor.
A noção do direito de propriedade, então, está redesenhada pelas imposições que o Plano Diretor estabelece para o seu exercício, através da limitação administrativa e aos meios com que se pretende interagir com os bens que são por direito da coletividade.
Dito de outro modo: o direito de propriedade, nas Cidades onde o Plano Diretor é exigido, só transparece nas formas permitidas pelo ordenamento local, e somente é exercitável através das vias técnico-jurídicas ali permitidas.
Graças a esse peculiar interesse regionalmente considerado, o direito de propriedade é único em cada Cidade do Estado, pois o exercício do bônus da propriedade se dá nas formas em que cada grupo comunitário considera ideal.
É isso que se depreende do seguinte trecho: “Em tais condições, cabe reconhecer que a cidade nao é uma entidade com vida própria, independente e separada do território sobre a qual se levanta. Pelo contrário, insere-se nele como em um tecido coerente cuja estruturação e funcionamento resultam inseparáveis da cidade moderna. O objeto do urbanísmo acresenta-se como a ciência do estabelecimento humano, preocupando-se substancialmente com a racional sistematização do território, como pressuposto essencial e inderrogável de uma convicência sã e ordenada dos grupos de indivíduos, que nele transcorre sua própria existência. Ou, em outras palavras, o urbanismo objetiva a organização dos espaços havitáveis visando à realização da qualidade de vida humana. (...) O planejamento é como diz Joseff Woff o princípio de toda atividade urbanística, pois quem impulsiona e exerce essa ação de ordenação precisa ter consciência do que quer alcançar com tal influxo. Deve ter uma idéia clara do que seja desejável para o lugar ou território em questão, mas também do que razoavelmente pode lograr com os meios de que dispõe” (José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª, ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, págs. 31 a 33).
Nesse contexto, fica cristalina a importância para cada indivíduo da coletividade paulistana de que a criação do plano diretor se dê somente com a sua verdadeira participação, uma vez que a propriedade, na Municipalidade de São Paulo, somente será exercitável dentro dos limites constitucionais, e do jeito que seus próprios cidadãos considerarem necessário.
Em curtas linhas, essa preocupação com o Plano Diretor decorre da natureza jurídica desta norma. Quando conflitada com outras leis, nota-se a diferença pela concretude que ela assume.
Quanto a isso, José Afonso da Silva averba: “As idéias acima expostas já nos orientam a respeito do planejamento urbanístico perante o Direito. Sendo ele um aspecto do sistema geral de planejamento, estará sujeito àqueles princípios jurídicos enunciados nos tópicos anteriores. Todavia, há diferenças que justificam um tratamento especial de sua problemática. Basta dizer que, nele, já não há um imperativo indicativo. O que, em regra se verifica é que os planos urbanísticos podem ser gerais ou especiais (particularizados ou pormenorizados), e aqueles são menos vinculantes em relação aos particulares, porque são de caráter mais normativo e dependentes de instrumentos ulteriores de concreção, enquanto os outros vinculam mais concretamente a atividade dos particulares, mesmo nos regimes de economia de mercado. É que, aqui, não se trata de intervenção no domínio econômico propriamente dito, mas no domínio mais restrito do direito de propriedade, a respeito do qual a ordem constitucional permite a interferência imperativa do Poder Público por meio da atuação da atividade urbanística.” (Direito Urbanístico..., ob.cit., págs, 93 e 94).
Diferentemente de outras limitações legais, em muitos pontos, não é necessário o exercício de verificação de subsunção de uma propriedade ao exposto em lei, mas tão-somente a análise fria de que, independente do que for a dita propriedade, se esta estiver na área demarcada por conveniência, esta sofrerá uma limitação maior ou até mesmo única.
E isso ocorre justamente porque cada plexo comunitário possui necessidades específicas e somente através do Plano Diretor é que se busca dar instrumentos à Municipalidade para satisfazer até o menor dos anseios sociais.
Pelo exposto é que se impõe a participação direta com a máxima efetividade e isso não se trata de mero capricho ou letra sem sentido. O significado vai muito além. O Direito de Propriedade brasileiro inserido pelo constituinte originário no inciso XXIII, do art. 5º, da CR, constitui-se numa forma de fazer com que toda a proteção jurídica à propriedade, louvada e consagrada pelo mundo democrático padeça pelo seu desvirtuamento.
Nesse sentido, ainda o mesmo José Afonso da Silva, afirma: “(...) Conceito: não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade; estes dizem respeito ao exercício do direito ao proprietário; aquela à estrutura do direito mesmo, à propriedade; a função social se modifica com as mudanças na relação de produção; a norma que contém o princípio da função social incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata; a própria jurisprudência já o reconhece; o princípio transforma a propriedade capitalista, sem socializá-la constitui o regime jurídico da propriedade, não de limitações, obrigações e ônus que podem apoiar-se em outros títulos de intervenção, como a ordem pública ou a atividade de polícia; constitui um princípio ordenador da propriedade privada; não autoriza a suprimir por via legislativa, a instituição da propriedade privada. (Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, Editores: São Paulo).
Como bem explicita a citação, não há risco de socialismo e erradicação da propriedade privada como um todo, mas há autorização constitucional para a máxima conseqüência à propriedade específica que descumprir seu fim social, ou seja, a Constituição abertamente deixará de acobertá-la sob o seu manto de segurança.
Evidente que nenhuma norma infra-legal poderia alterar o sentido da própria Constituição Republicana, de modo a fazer existir um fim social impossível de cumprir ou então fazer as propriedades todas se tornarem comunitárias.
Como se vê, é certo que todo aquele proprietário que deixa de adequar a sua propriedade à função social acaba por sofrer a conseqüência de perder o resguardo da Constituição Republicana.
Sem a força do Estado, que só faz aquilo que é constitucional por ser uma mera ficção jurídica, a própria propriedade, também ficção jurídica, desaparece aos olhos dos humanos que vivem sob a égide dessa virtualidade do Direito.
E é por isso que a Constituição volta seus mais ternos olhos para o Plano Diretor das Cidades. Ela sabe que esta sua cria pode vir a tolher o direito de propriedade se mal manuseada. E se bem manuseada, pode servir para diferenciar aquelas propriedades que são interessantes para a sociedade que o Poder Constituinte quis criar, separando, na parábola bíblica, o joio do trigo. E nisso interpretou bem o Estatuto das Cidades quando impôs a necessidade de participação direta do verdadeiro Poder, o Povo.
A propósito, Adilson de Abreu Dallari e Sérgio Ferraz afirmam o seguinte: “O Estatuto da Cidade está destinado a ser o instrumento pelo qual a Administração Pública Municipal, atendendo aos anseios da coletividade, finalmente poderá determinar quando, como e onde edificar de maneira a melhor satisfazer o interesse público, por razões estéticas, funcionais, econômicas, ambientais, etc, em lugar do puro e simples apetite dos especuladores imobiliários” (Estatuto da Cidade, prefácio, Malheiros Editores: São Paulo, 2002).
O que se está a dizer é que o Plano Diretor não estabelece somente limitações em regime quase equiparável ao de ato concreto, mas que ele tem o condão de definir em sede muito enfática a função social das propriedades em um dado território.
Esta função social, componente inexpugnável do próprio direito de propriedade fica aberto, como em raras ocasiões ocorre, à quase livre vontade do elaborador da lei.
Em repúblicas nitidamente liberais e democráticas isso é inaceitável a não ser que o próprio povo tome as régias da definição do que é para ele necessário sacrificar enquanto direito à propriedade, para permitir a continuidade da comunidade regional enquanto perseguidora do interesse público, ou seja, da própria capacidade humana de serem indivíduos bons e transcendentais de seus próprios e egoísticos motivos em prol de algo maior.
De modo a sustentar o defendido, Adilson de Abreu Dallari assevera: “(...) Anteriormente o plano diretor era exaltado como um instrumento técnico destinado a dar maior racionalidade, economicidade e eficiência à Administração local, como uma verdadeira panacéia, abrangendo todos os aspectos da Administração Municipal, indo, quanto ao conteúdo, muito além da simples ordenação física do espaço urbano, mas com escassa repercussão jurídica no tocante ao direito de propriedade.
Após o advento da Constituição Federal de 1988, essa concepção do plano diretor mudou radicalmente, diminuindo em abrangência (quanto aos assuntos ou setores que devem constar de seu conteúdo) mas ganhando enorme significado jurídico, trazendo substancial alteração ao conceito de propriedade imobiliária urbana.
O plano diretor, que deve ser aprovado por lei e tem força de lei, está centrado na organização conveniente dos espaços habitáveis, é o instrumento básico da política urbana municipal, deve ser elaborado de maneira participativa e deve servir como instrumento de realização da função social da propriedade. Ao organizar os espaços habitáveis, em toda a área do Município (urbana e rural), deve ter uma preocupação social, de justiça social, de realização do mandamento constitucional (art. 3º, III) no sentido da erradicação da pobreza e da marginalidade e redução de desigualdades sociais e regionais.” (Estatuto da Cidade..., ob.cit., pag. 77 a 78).
Os trechos ora colacionados, ademais, nada mais fazem se não ressaltar o disposto constitucionalmente pelo artigo 182, parágrafo 2°, da CR, que não deixa margem a duvidas, conquanto necessite apenas de interpretação literal, impondo, destarte, a importância que o poder constituinte deu ao plano diretor: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais da ordenação da cidade expressas no plano diretor.” Deixar este verdadeiro Poder em mãos de representantes edis ou prefeito seria uma irresponsabilidade para com a democracia, no que se faz necessário explanar que não se julga aqui os representantes eleitos de fato, mas os representantes enquanto abstratamente considerados.
Aqui palavras melhores expedidas por Carlos Ari Sundfeld cabem do que a deste Juiz para explicitar: “O direito urbanístico, justamente por decorrer de uma visão totalizante de mundo e de, muito coerentemente, tratar o urbanismo como função pública -, sujeita-se ao risco, nada desprezível, de descambar para o totalitarismo estatal. Isso em duas possíveis vertentes: a do Estado que se fecha à influência da sociedade, tanto na tomada de suas decisões como no desenvolvimento de suas ações materiais (isolamento estatal), e a do Estado que impede sistematicamente a ação individual (auto-suficiência estatal).
Contra esse risco, duas foram as reações das diretrizes gerais: a afirmação do princípio instrumental da gestão democrática (art. 2º, II) e o reconhecimento da ação privada (inciso III).
Historicamente, o princípio representativo surgiu como a primeira das repostas aos reclamos de controle democrático sobre a atuação estatal. Confiava-se que a combinação da legalidade (exigência de previa autorização legal para a ação do Poder Publico) com o caráter democrático da composição do Parlamento a isso somando-se a eleição direta do Chefe do Executivo seria suficiente para impedir que o Estado se fechasse em si mesmo.
Entretanto, não só a experiência mostraria que as coisas não seriam simples assim, como o fundamento da atuação estatal, inclusive normativa, viria a exigir novos mecanismos de abertura, incluindo-se a participação popular direta em decisões legais e administrativas, além da interferência de entidades representativas de segmentos da população. Para designar esse novo modelo, passou-se a falar em gestão democrática.” (Estatuto da Cidade..., ob. cit., págs. pag. 56 a 57).
Repita-se, não se está a imputar má-fé ou descaso aos servidores municipais. Mas não se pode neste Estado admitir que o Projeto de Revisão do Plano Diretor seja realizado em procedimento que cause a mínima insegurança nos administrados, nos cidadãos.
O que se está delimitado é que a função social da propriedade é um conceito jurídico indeterminado, que pode ser conceituado como um círculo que em seu centro possui uma zona de absoluta certeza, mas que conforme se acompanha uma linha radial que vai do centro a periferia, verifica-se uma crescente zona de incerteza em seu conteúdo até atingir a novamente uma certeza, mas desta vez, de se estar fora do círculo.
O próprio Plano Diretor também tem o condão de transmutar este conceito fluido em conceito rígido, ou ao menos mais próximo de sêlo, e que esse poder é inimaginável de ser utilizado em nosso Estado em sede de poder meramente representativo.
É sobre esse prisma de idéias e concepções que o conceito de gestão democrática da cidade vem à tona. O artigo 2°, inciso II, da Lei 10.257 de 2001 deve ser visto justamente como esse marco limitador do poder representativo concedido aos representantes do povo. In verbis: “A política urbana tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: gestão democrática por meio de participação popular e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.” Tal é a importância do instituto, ainda, eis que ela é capaz de, ao atender a função social, realizando a vontade da Constituição e da sociedade, de afastar as situações calamitosas em que se encontram os grandes conglomerados urbanos, cuidando para terminar com privilégios não salutares que se instituíram por razões de ausência normativa ou lacuna normativa anterior.
Também, é fonte de novas possibilidades e facilidades para os cidadãos, por meio de modificações que muitas vezes somente estes são realmente capazes de saber, por conta de peculiaridades das quais somente um ou um grupo de cidadãos participa em seu cotidiano ou vida profissional.
Neste sentido é a lição de Maria Paula Dallari Bucci: “A gestão democrática remete à idéia de um novo pacto territorial, em que o Direito não se distancie da Justiça, mas garanta que a cidade seja espaço de convivência de todos os seus habitantes, onde cada um possa desenvolver plenamente suas potencialidades.” (Estatuto da Cidade..,, ob. cit., págs.
pag. 337 a 338).
Nesse contexto, torna-se insuficiente qualquer argumento para a manutenção do projeto como está hoje, porque mesmo se quaisquer das razões que fundamentem esta sentença forem isoladamente insuficientes, somando-se tanto os atos das ilegalidades que se irá declarar quanto às legalidades na postura municipal que irão se admitir, a resenha demonstra que a gestão democrática foi ferida.
Mesmo se - e não cabe ao Poder Judiciário fazer juízo de mérito do teor do anteprojeto, hoje projeto este projeto realmente for o mais benéfico à sociedade, tem-se que para a Democracia ele não merece prosperar, por se tratar de precedente indesejável para uma jovem Constituição que acaba de completar a sua maioridade: o Direito posto, um grande projeto político que se tornou jurídico, deve prevalecer e ele hoje exige a observância da gestão democrática das Cidades com a participação popular, para que a política urbana se concretize segundo a ideologia plasmada na Lei das leis.
Como conseqüência, vê-se que o Conselho das Cidades, criado em meados de 2004, é órgão colegiado de natureza consultiva -- para alguns até mesmo de natureza deliberativa com âmbito nacional --, que funciona juntamente com o Ministério das Cidades, possuindo como fim a formulação, o desenvolvimento e a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Em que pesem a autoridade de suas deliberações, embasadas em conhecimento técnico, a verdade é que suas resoluções, no tocante à aplicabilidade por outros municípios, têm natureza pelo menos consultiva.
De tal forma, as resoluções citadas pelo Ministério Público, principalmente à fl. 1092 e seguintes, e pela Defensoria Pública, à fl. 963 e seguintes, não comportam análise deste Juízo para os fins de questionar a legalidade, a legitimidade ou a constitucionalidade do projeto de revisão do plano diretor.
Impor, destarte, à Municipalidade a utilização destes atos jurídicos seria subverter o princípio da legalidade, compelindo a Administração a fazer algo que não lhe é imposto por lei. Isso, per si, segundo o Direito Administrativo pátrio, seria contrariar o princípio da legalidade administrativa.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: “Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídicoadministrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que com tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.(...) Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou prater legem, a Administração só pode agir secundum legem.” (Bandeira de Mello, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 25ª Edição, pág. 99, 100 e 101) Isso não quer dizer que as formas estabelecidas pelas resoluções do Conselho das Cidades sejam inúteis. Em realidade, servem, segundo o Regimento Interno deste órgão, para a proposição de normas urbanísticas, o acompanhamento da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, a emissão de orientações e recomendações sobre o Estatuto das Cidades, entre outras constantes do artigo 3º do Regimento, o que está em fiel cumprimento do artigo 43 do Estatuto das Cidades e do Decreto 5.031/2004 que deu gênese ao conselho.
O Conselho das Cidades detém, nesta esteira, a competência de elaborar proposições legislativas atribuídas à carteira do Ministro das Cidades, na órbita legislativa federal e, ainda, emitir pareceres sobre o Desenvolvimento da Política Urbana, de modo a permitir ao Ministério o melhor planejamento e a melhor compreensão dos impactos de sua política.
Desta via, descabe ao Poder Judiciário adentrar na questão sobre a conveniência da utilização destas sabias resoluções pela Administração Pública Municipal. Tratar-se-ia de interferência vedada pelo Direito Pátrio, uma vez que a Administração Pública é quem possui a competência, o poder e o conhecimento para solver a questão de conveniência ou aplicação de resolução consultiva para os fins de atender o interesse público local. Elas atuam como parâmetros para o próprio povo desta Cidade, mas não para o Poder Judiciário.
Em suma, este Poder não possui as condições técnicas e as atribuições constitucionais necessárias para avaliar a utilidade das resoluções, em especial, da resolução nº 25, de maio de 2005, para o fim de considerá-las convenientes à sociedade, por conta do caráter meramente consultivo que possuem em face dos Municípios, o que finda os debates sobre as irregularidades do projeto no tocante às ditas resoluções.
Todavia, como salientado nos autos, o Decreto Municipal 43.300/2003 visou regulamentar o processo administrativo de implementação, de revisão e de atualização dos planos integrantes do processo de planejamento urbano, em face do que determinou o artigo 143, §4º, da Lei Orgânica Municipal. E ele sem extrapolar os limites do ordenamento jurídico em vigor, apenas possibilitou a concretização dos ditames insertos nos comandos legais existentes. Atua no sentido de facilitar a melhor aplicação do direito posto e assim o faz no plano da infra-legalidade, dando fiel execução à lei, aplicando-a, pois, de ofício.
Nesse sentido, defende Celso Antônio Bandeira de Mello: “(...) Um deles tem lugar sempre que necessário um regramento procedimental para a regência da conduta que órgãos e agentes administrativos deverão observar e fazer observar, para cumprimento da lei, na efetivação das sobreditas relações. (...) Uma segunda hipótese ocorre quando a dicção legal, em sua generalidade e abstração, comporta, por ocasião da passagem deste plano para o plano concreto e específico dos múltiplos atos individuais a serem praticados para aplicar a lei, intelecções mais ou menos latas, mais ou menos compreensivas.” (Bandeira de Mello, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 22ª Edição, pág. 345 e 346).
Como a Cidade é um organismo vivo em constante mutação, demandando do Plano Diretor uma constante linha de atualização para permitir o florescimento e prosperidade da comunidade paulistana, por intermédio do mencionado Decreto é possível na reserva específica da lei a sua edição e aplicabilidade. E os direitos e deveres conquanto à elaboração do projeto do plano diretor, encontram-se na Constituição Republicana, no Estatuto das Cidades e na Lei Orgânica Municipal.
Tal como estas deixaram escrito, tão-somente o procedimento deveria ser criado, o que é possível de ser feito em sede provisória pelo Poder Executivo.
Assim, a argumentação de ilegalidade ou inconstitucionalidade do Decreto Municipal 43.300/2003, também não prospera, visto que guarda compatibilidade com o sistema jurídico em vigor.

DA SEARA DE ATUAÇÃO DO PROJETO DE REVISÃO DO PLANO DIRETOR
Muito forte nos autos, conforme o que foi exposto pela associação autora, a consideração de que o artigo 293 do atual Plano Diretor Estratégico prevê a abrangência da revisão que deveria ter sido realizada já em 2006.
A suposta ilegalidade do projeto de lei quanto ao artigo 293 do Plano atual deve ser vista segundo a liberdade política de criação de projetos de lei do Poder Executivo e se resolve segundo o princípio do conflito aparente de normas.
No primeiro enfoque, o que deve ser verificado é que lei nenhuma pode delimitar a vontade política criadora de projetos de lei ao Legislativo.
Esta liberdade é absoluta, o que não significa dizer que inexiste neste estado o Controle Preventivo e Corretivo das outras Funções do Poder Público. Existe neste sentido a discricionariedade legislativa por conta do ambiente jurídico atual no qual vivemos, sob o princípio do Estado Democrático de Direito.
Esta orientação em nada diverge pelo fato de que, para a elaboração deste projeto, se exige um procedimento especial, ficando, assim, a Administração, no uso de seu poder político criador de lei, em livre discricionariedade, para alcançar o que considerar mais salutar para o interesse público.
Desta forma, a orientação do artigo 293 possuía o condão de colocar o Poder Executivo em mora pela ausência de nova lei, uma vez que continuaria em vigor.
Mas uma vez feito o projeto, e se aprovado na Câmara Municipal com redação que discrepa da anterior, o que se terá é um conflito normativo de leis no tempo, que resulta, segundo os primados do Decreto-Lei 4.707/1942, na ab-rogação ou derrogação da lei mais antiga pela lei mais nova, seja essa revogação tácita ou expressa.
Desta forma também é a lição de Maria Helena Diniz: “A ordem jurídica prevê uma série de critérios para a solução de antinomias aparentes no direito interno, que são:(...) 2) O cronológico (lex posterior derogat legi priori), que remonta tempo em que as normas começaram a ter vigência, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão.” (Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, Editora Saraiva, 22ª Edição, pág. 88 e 89) Assim, de forma alguma é possível a uma lei regulamentar a postura do Poder Público frente a sua atuação política, mas tãosomente administrativa, de modo que nenhuma ilegalidade há em dar contornos mais abrangentes à revisão do plano diretor que o próprio plano diretor convencionou anteriormente.
Aliás, ainda que se desejasse sustentar a tese oposta, ficaria o direito com um problema técnico-lógico, no sentido de que a revisão parcial, estanque e delimitada, poderia deixar o Plano Diretor contraditório ou sem sistematização, comprometendo sua utilidade enquanto instituto jurídico essencial.
No tocante ao ordenado pelo Estatuto da Cidade, permanece outro problema lógico-jurídico da interpretação de que o prazo do artigo 40, §3º, seria tanto o mínimo quanto o máximo para a revisão do plano pelos Poderes Públicos.
De início já se vê que a intenção do legislador federal, cuja competência, in casu, é concorrente e por isso restrita à elaboração de normas gerais, foi de produzir um limite à morosidade municipal, através da estipulação de prazo máximo para a revisão do plano diretor.
Muito embora aqui se imponha a observância à criação legiferante do Executivo, já que a norma municipal em desatenção à norma federal não possui eficácia, nada se dispõe sobre prazo mínimo para modificação do Plano Diretor.
Isso porque, em primeiro lugar, princípio geral de hermenêutica é a limitação da interpretação ao texto expresso da lei. É assim, aliás, que o Egrégio Supremo Tribunal Federal tem se posicionado quanto à possibilidade de decisões de ADIn's com “declaração de nulidade sem redução de texto” ou então com a “declaração de interpretação conforme à Constituição”.
Aliás, cabe ressaltar trecho da obra dos Excelentíssimos Juristas Ministro Gilmar Mendes e Ives Gandra da Silva Martins: “Também entre nós utilizam-se doutrina e jurisprudência de uma fundamentação diferenciada para justificar o uso da interpretação conforme à Constituição. Ressalta-se, por um lado, que a supremacia da Constituição impõe que todas as normas jurídicas ordinárias sejam interpretadas em consonância com seu texto. Em favor da admissibilidade da interpretação conforme à Constituição milita também a presunção da constitucionalidade da lei, fundada na idéia de que o legislador na poderia ter pretendido votar lei inconstitucional.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.” (Mendes, Gilmar e outro, Controle Concentrado de Constitucionalidade Comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999, Editora Saraiva, 2ª Edição, pág. 413 e 414) Daqui já fica repudiada a argumentação contrária, em que pese que o artigo 40, §3º prediz exatamente que: “a lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.” Como se vê, o prazo foi, de fato, criado para impossibilitar a mora, e não para prezar pela segurança jurídica da garantia de período mínimo de existência de lei para permitir a estabilidade das relações jurídicas dela derivadas.
Distante disso, por óbvio que a segurança jurídica, enquanto princípio geral de direito, pode ser oposta contra a edição desta revisão a que se imputa teor modificativo maior, mas não se utilizando do Estatuto das Cidades como baliza.
Afasto, pois, esta alegação feita.

DA EXISTÊNCIA DE DOIS ANTEPROJETOS DIVORCIADOS
Muito se questionou sobre a cisão ocorrida no plano diretor após a decisão liminar posteriormente revogada pelo Juízo da 10ª Vara Fazendária.
A linha de argumentação das autoras é de que após a medida liminar, a Prefeitura de São Paulo teria retirado da atual revisão os projetos regionais, inserindo no novo texto, somente do plano diretor propriamente dito, inúmeras modificações e encaminhando-o diretamente a CMPU, sem a realização de novas audiências públicas.
O que se tem de diferenciar é a concepção de algumas realidades, independentemente do mérito do projeto, a começar pela noção de que a prefeitura de fato iniciou os trabalhos do anteprojeto original ainda em 2005, conforme aponta documento do SEMPLA, de fls. 99 e seguintes.
É de se verificar que a interpretação legal do Poder Público foi de elaborar em um único anteprojeto as normas relativas ao plano diretor e aos planos regionais, o que acabou por não ocorrer como estimado.
De se compreender que, muito embora o projeto atual derive de anteprojeto formalmente inexistente à época das audiências públicas (excetuando-se as últimas 4) e trabalhos técnicos, que os temas abordados e mantidos no atual anteprojeto (agora projeto) tem materialmente as mesmas bases e premissas, sendo que a materialidade do anteprojeto (agora projeto) é aquela que deriva dos idos de 2005 até a sua apresentação, motivo pelo qual não se pode reconhecer a obediência aos mandamentos constitucionais por não se ter repetido o processo.
Aqui deve se verificar que todo o intuito do conjunto de atos administrativos realizados para permitir a existência do anteprojeto anterior não poderia ser dispensado por mero formalismo, após anos de trabalho, de modo a tornar o processo elaborado ainda mais moroso e falho.
De outra sorte, é de se reconhecer a necessidade da elaboração da revisão do plano diretor, que é imediata e não comportaria tantas delongas, restando correta a opção da municipalidade por acautelar-se cumprindo, dividindo o anteprojeto em vários e utilizando-se do processo administrativo que ensejou o conteúdo do anteprojeto anterior para o atual.
A evidência que o novo anteprojeto teve modificações em relação ao antigo, muito da forma como salientado pelo próprio autor, incorporando partes do que antes ficaria para os planos regionais (fl. 16).
Isso a olhos rápidos significa a necessidade de adaptação do plano para permanecer em vigência isoladamente até a tardia aprovação dos demais, que originalmente seriam propostos junto com ele.
Assim, vê-se que o argumento de que em realidade não se procedeu a nenhuma audiência pública para a realização do anteprojeto é descabido, uma vez que a base material para ambos é a mesma, e é justamente esta base material que se busca encontrar com o processo de participação democrática.

DA PRESENÇA DOS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS NAS PREFEITURAS E SUBPREFEITURAS
Para que exista uma ampla participação popular é necessário que o munícipe tenha acesso aos documentos necessários para embasar sua opinião, sendo-lhe permitindo um acesso ilimitado aos documentos a serem debatidos.
Às fls. 4 e 5 sobejam exemplos da ausência de documentos nos prédios públicos que impediriam o amplo conhecimento da população sobre a pretendida revisão.
Entretanto, nenhuma prova se faz da negativa dos órgãos públicos em fornecer ou da certidão de que simplesmente não possuíam qualquer documento em sua repartição, quando questionados.
De outra sorte, a Municipalidade rebate categoricamente esta alegação, aduzindo existirem os documentos necessários na Secretaria de Planejamento, bem como em cada uma das Subprefeituras.
Cito em especial o trecho do edital de convocação, juntado aos autos à fl. 412: “Todos os documentos relativos aos temas em debate estão disponíveis em via impressa para consulta dos interessados na sede da SEMPLA, na Rua São Bento, 405, 18º andar DEURB e nas sedes das 31 subprefeituras a partir desta publicação, inclusive os mapas e quadros ilustrativos”.
É impossível verificar a veracidade absoluta da alegação do requerente, tal como do cumprimento do edital; de fato, deve ser verificada a absoluta ausência de documento que comprove a negativa de documentos.
Já a inversão do ônus da prova, neste caso, descabe ser feita, uma vez que tanto os autores tinham condição de ter requerido a prova segundo seu constitucional direito de certidão artigo 5º, XXXIV, b, CR , quanto à Municipalidade resta impossível comprovar a existência de documentação no passado de modo a suprimir toda e qualquer suspeita.
Somando-se a regra do ônus da prova com a presunção de veracidade de todo e qualquer ato da administração e, ainda, a prova indiciária do edital, de rigor deixar de considerar como contundente a hipótese trazida aos autos pela associação autora.

DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E CONVOCAÇÃO UTILIZADOS
Restou incontroverso dos autos que a comunicação à população das audiências públicas e audiências regionais se deu através de publicação no Diário Oficial do Município e, ao menos quanto às audiências públicas, os editais foram publicados também em dois jornais, quais sejam: Folha de São Paulo e Estado de São Paulo.
Ocorre que a participação democrática na gestão da Cidade, inscrita nos artigos 2º, II e 43 do Estatuto da Cidade requer mais do que tãosomente a convocação da sociedade para os atos públicos que tem a participação popular como pressuposto necessário.
Bem pelo contrário, a gestão democrática impõe à Municipalidade que, do início até o término dos trabalhos do plano diretor, realize campanhas massivas de conscientização e convocação dos munícipes, não só para audiências públicas, mas sim para promover a sua devida participação no processo administrativo como um todo.
Campanha não é convocação para audiência, mas sim um trabalho de mobilização popular, que incuta nos cidadãos a vontade de participar e o entendimento sobre a importância dos assuntos debatidos, tal como dos reflexos que o anteprojeto terá na cidade.
Mas não só. A campanha, de início, deve ser também aprofundada o suficiente para permitir aos cidadãos o entendimento material das idéias que a Municipalidade pretende ver presente no novo anteprojeto, o que viabiliza, de antemão, que a comunidade formule críticas, sugestões ou reclamações em relação às pretensões governamentais.
Ainda mais, também é necessário clarear, já no início, quais são os mecanismos programados para intervenção popular. É fundamental que exista uma campanha capaz de informar os cidadãos sobre o local em que podem encontrar representantes das comissões do projeto, como exercer o direito de petição junto a Administração Pública, particularmente quanto à como participar das comissões.
Não basta a existência da possibilidade, uma vez que desta possibilidade só usufruem os já informados e interessados, ou seja, aqueles mínimos indivíduos para os quais não era necessária qualquer campanha. É necessário cativar e instruir, facilitar e promover o acesso de todos, e não de poucos.
Assim, de rigor reconhecer que existiu convocação para as audiências públicas que ocorreram, e que em especial elas ocorreram em prazo aceitável de 15 (quinze) dias de antecedência.
Mas isso não garante, de modo algum, participação democrática. Pessoas normais, com vidas usuais, necessitam de informação, e como já dito, precisam de motivação para participar e exercerem seus direitos de cidadão.
Mariana Mencio sobre isso averba o seguinte: “Desse modo, é possível afirmar que o sentido de participação democrática no processo de planejamento passa pela idéia de heterogeneidade dos participantes, sejam eles associações ou cidadãos. Isso significa que é preciso garantir uma maior participação popular em todas as etapas do processo decisório, de forma a não caracterizar apenas o referendo, execução e sugestão por parte do agente político. É preciso que ele apresente e discuta propostas, delibere sobre elas, procurando, sobretudo, modificar as diretrizes estabelecidas pelos dirigentes” (Regime Jurídico da Audiência Pública na gestão democrática das Cidades, Belo Horizonte: Editora Forum, 2007, págs. 101 e 102).
A convocação para uma audiência é mera forma de trazer as pessoas já cientes do processo administrativo para que compareçam, e não esperar, com estas convocações, que as pessoas saibam da importância do assunto, com consciência, estudo, ponderação, interesse, e programem o dia e compareçam de modo construtivo.
Note-se que a sociedade é plural. Indivíduos das mais diferentes áreas e com uma gama infinita de conhecimentos práticos e teóricos, especificamente sobre urbanismo ou sobre questões correlatas poderiam ter contribuído, mesmo que em forma de pareceres ou petições, participação em reuniões ou em assembléias.
Aliás, quanto a isso, uma das formas de participação popular prevista no Estatuto das Cidades no artigo 43, inciso III, parece nem mesmo ter existido. Trata-se das conferências, que servem justamente para congregar especialistas e técnicos com profundos conhecimentos em determinadas matérias, de modo a permitir o debate.
A população não é mera legitimadora. É contribuinte para o plano, e isso deve ser revigorado. O conhecimento gratuito que resta existente em cidadãos ávidos por participar, ou, se não ávidos, que poderiam assim estar quando tocados pelas campanhas de conscientização, deve ser levado em importância em nossa sociedade, afinal, este contexto faz parte do nosso texto jurídico.
Nesse sentido, note-se que as aspirações jurídicas quando do nascimento do Estatuto da Cidade era justamente a de que a população teria, de fato, uma participação ativa na elaboração dos futuros planos e revisões.
Previa-se, assim como disposto na lei, um acompanhamento da política urbana e do desenvolvimento do planejamento, com interferência constante nas mais variadas etapas, desde o início, por meio de conferências, audiências e petições, até o fim do processo, sendo certo que se esperava que das interações populares a prefeitura municipal produzisse reflexões, fundamentando o acatamento ou a rejeição de cada uma das opiniões. Não foi, contudo, o que ocorreu.
O requerido ao assim proceder deixou de de cumprir “imensa tarefa de tornar realidade os postulados inscritos no Estatuto da Cidade, a fim de que tos tenham direito às cidades com qualidade de vida” (Mariana Moreira, História do Estatuto da Cidade, in Estatuto da Cidade.., ob. cit., Adilson Dallari e Sérgio Ferraz, pág. 43.
Neste sentido ainda há os seguintes escritos: “A gestão democrática da cidade é reconhecida como uma diretriz para o desenvolvimento sustentável das cidade, com base nos preceitos constitucionais da democracia participativa, da cidadania, da soberania e da participação popular. Potencializar o exercício do direito à cidade que tem como componentes os direitos políticos e da cidadania coletiva dos habitantes das cidades deve constituir o objetivo a ser respeitado nos processos de gestão nas cidades. O direito à cidade será respeitado quando os grupos sociais marginalizados e excluídos tiverem acesso à vida política econômica da cidade.
Este direito, para ser exercido, pressupõe a capacitação política destes grupos sociais. (...) Atuam assim, conjuntamente, a comunidade e o Estado na gestão e fiscalização da coisa pública. A gestão democrática da cidade pressupõe a organização da sociedade civil, para interferir no processo político em nome das demandas sociais por meio do exercício da cidadania. Assim, os instrumentos da democracia participativa precisam ser utilizados como forma de garantia do direito à cidades sustentáveis.” (Saule Júnior, Nelson, autor e organizador Direito Urbanístico Vias Jurídicas das Políticas Urbanas, , Editor Sérgio Antônio Fabris, 2007, Porto Alegre, pág. 55 a 56).
“Algumas dessas diretrizes, já adotadas em determinados processo de participação popular em entidades da Administração Pública Brasileira, podem ser assim resumidas: divulgação, com antecedência necessária à preparação dos interessados, das informações a discutir em audiência pública; abertura de participação a todos os detentores de legítimo interesse em participar do processo; divulgação dos comentários e sugestões formulados; e, finalmente, resposta fundamentada aos comentários e contribuições.” (Estatuto da Cidade, Organizador Adilson Abreu Dallari, Editora Malheiros, 2ª Edição, pág. 330 a 331).
Ademais, ausente dos autos qualquer informação sobre a existência de publicidade sobre a participação junto a CMPU e, em considerando que este conselho conta com participantes da sociedade, tal como esboçado em sede de contestação, é questionável quantas pessoas que efetivamente poderiam muito bem contribuir para a elaboração do anteprojeto que nem ficaram sabendo da existência desta possibilidade em tempo hábil para participar das comissões.
Assim, de rigor considerar que a campanha de informação da população sobre o processo administrativo de formação do conteúdo do anteprojeto da lei de revisão do Plano Diretor foi deficiente, restando inaceitável.

DO NÚMERO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS DURANTE O PROCESSO DE REVISÃO DO PLANO DIRETOR DE SÃO PAULO E DA UNICIDADE DE RODADAS
Inicialmente, para delimitar o número de audiências públicas efetivamente realizadas, segundo manifestação da Municipalidade, que afirmou que foram realizadas 31 (trinta e uma) audiências regionais e 4 (quatro) audiências públicas, na verdade, vê-se que estas não devem ser consideradas a título de contribuição para o projeto de revisão do Plano Diretor, uma vez que tal como comprovado à fl. 427 dos autos, documento 12 das informações da Municipalidade, o edital de convocação previu como fulcro das audiências regionais: “revisão dos planos regionais estratégicos e da lei de parcelamento, uso e ocupação de solo”.
Desta forma, as 31 (trinta e uma) audiências regionais de nada contribuíram para a participação democrática na elaboração do anteprojeto do Plano Diretor.
Também, o número de reuniões realizadas pelos grupos especializados, tal como pela CMPU, em nada contribuem para sanar a ausência de outras assembléias, uma vez que mesmo se a CMPU tivesse a composição acima de qualquer contestação, o que não ocorre, e que seus membros tivessem sido escolhidos após a necessária campanha sobre a importância do plano diretor e da participação popular, ainda restaria o problema de que, em realidade, a ordem jurídica vigente exige a participação direta da população, que não é substituível pelas reuniões e comissões técnicas de trabalho, tampouco pelas reuniões da CMPU, órgão misto representativo.
Ademais, nem se use como escusa a imposição legal para a realização de pelo menos outras 2 (duas) audiências públicas pela Câmara de Vereadores, uma vez que aqui se debate o processo administrativo realizado dentro do ínterim da própria administração pública, o que torna insuficiente para a solução dessa lide se o Poder Legislativo as realizará ou se realizou, ou se também estaria incurso no vício que agora se imputa a Administração Pública.
As 4 (quatro) audiências realizadas para análise do anteprojeto do Plano Diretor, de outra sorte, pesadas e medidas, devem ser consideradas, de todo, insuficiente.
Isso por conta dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que se impõe quando da análise de atos da Administração dentro de um Processo Administrativo.
A proporcionalidade em sentido estrito, tal como estabelece Canotilho, está justamente na função do juiz de encontrar um ponto de equilíbrio entre o que foi feito pela Administração Pública e o que os administrados dela esperavam, verificando qual seria a verdadeira necessidade da população e em seguida, o modo como se deu o ato atacado.
Ou seja, seria a análise da “necessidade” do povo, da “adequação” da medida e, entre estas duas, do uso da “proporcionalidade em sentido estrito”, o que não por acaso é uma das mais correntes considerações sobre a composição do princípio da proporcionalidade.
Assim, de um lado se deve considerar a necessidade presumida, decorrente de lei, de que a população de São Paulo detinha interesse máximo na participação do processo de elaboração do anteprojeto de Revisão do Plano Diretor.
De outro lado, deve ser considerada a existência de 4 (quatro) audiências públicas realizadas pela municipalidade de São Paulo, uma em cada região (norte, sul, leste e oeste), em apenas uma rodada por Região.
Em um juízo equitativo, então, torna-se cristalina a disparidade entre a necessidade da população de mais de 10 milhões de habitantes e o pequeno número de audiências públicas, incapazes de sustentar a participação de parte, ao menos, significativa da sociedade.
De outra sorte, a razoabilidade decorre do confronto entre o produzido e aquilo que seria razoável exigir que fosse produzido, restando novamente, ao final, um juízo equitativo.
Ao se deparar com esta análise, e verificando que o anteprojeto do Plano Diretor deva ser um processo administrativo permeado em sua integralidade pela população da cidade, de modo a permitir uma verdadeira gestão democrática, de rigor o reconhecimento da falência do sistema utilizado.
Até porque, se na prática as audiências públicas foram o único marco da participação democrática direto, o que já é de todo reprovável, mesmo em tese esse instrumento seria uma das mais importantes vias de intervenção popular direta, principalmente porque é um meio de permitir aos administrados o exercício de outros direitos constitucionalmente erigidos, devendo, por isso ser conduzido com muito mais zelo.
Assim, também, posicionam-se os mais renomados autores sobre o assunto: “Os debates, audiências e consultas públicas dão margem a que se realizem princípios constitucionais relacionado à atuação do Poder Público, tais como o da prestação de informações de interesse geral, presente tanto no artigo 5°, XXXIII, como no princípio da publicidade, do art. 37 da Constituição Federal. Também se relacionam com esses institutos participativos o princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV) e o da ampla defesa (art. 5°, LV), sem falar nos demais princípios do art. 37m no controle por via de ação popular (art. 5°, LXXIII), e tantos outros.
Esse novo papel do processo administrativo, com a ampliação das formas de participação popular, confere maior destaque aos atributos 'substanciais' dos atos administrativos relacionados à atividade urbanística, nomeadamente motivação e finalidade. Devem ser mais explícitas as condições de validade dos atos em relação aos seus pressupostos materiais, não bastando o preenchimento das condições formais, relativas à competência do agente, à forma exterior do ato e à licitude do objeto.” (Estatuto da Cidade...ob.cit., texto de Maria Paula Dallari Bucci, págs. 343 e 344).
Trazendo o princípio da proporcionalidade a um plano mais concreto, o que se pode estabelecer é que o Estatuto da Cidade impõe, em seu artigo 40, §4º, I, que serão realizadas audiências públicas durante o processo de elaboração do Plano Diretor.
Em seguida, no artigo 41, inciso I, obriga a todas as cidades com mais de 20 (vinte) mil habitantes a possuírem este Plano Estratégico de desenvolvimento urbano.
Como dito o artigo 40, do Estatuto da Cidade, pressupõe a existência de audiências públicas, o que a toda sorte impõe o pluralismo de audiências, de modo que é de se ponderar que o mínimo de audiências para o processo administrativo específico é de 2 (duas).
De outro lado, se para vinte mil habitantes o número mínimo de audiências é 2 (duas), a realização de 4 (quatro) audiências para São Paulo é de todo irrisória.
Nem que se queira calcular uma exata proporção e deixar consignado, a título de exemplo, que uma cidade de 10 milhões de habitantes necessitaria de 1000 (mil) audiências públicas, mas aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Aos olhos de soslaio, com mera atenção a legislação pertinente, como demonstrado, já é de se verificar que o número exíguo de audiências realizadas não reflete o intento da lei em trazer a população aos debates públicos, uma vez que por óbvio é inviável acomodar parte significativa da população em apenas 4 (quatro) locais.
Também fere a razoabilidade o fato de que as audiências públicas foram realizadas sucessivamente, no período de 4 (quatro) dias, em regiões diferentes, o que ceifou qualquer flexibilidade aos habitantes da cidade, que não tiveram nem ao menos a opção de diferentes dias para comparecer para participar.
Note-se, por outro lado, que a convocação com 15 (quinze) dias de antecedência são, de certa forma, o suficiente para que quase todos os interessados programe-se para comparecer às audiências, mas dentro disso existe a faixa de interessados que não tem essa condição, de modo que pluridade de rodadas, e o espaçamento de tempo relativamente maior entre elas permitiria o acesso de todos, ou, ao menos, aumentaria a chance de participação da integralidade dos cidadãos.
Neste prisma, é necessário reconhecer que a quantidade de audiências públicas realizadas pela Municipalidade foi desproporcional e desarrazoada quando confrontada com o número de munícipes, com a extensão do ambiente e a atmosfera jurídica plasmada no ordenamento vigente.
Agora, em lado menos objetivo dos valores em conflito, ao se deparar com a verdadeira extensão da gestão democrática que se desejava ver presente na elaboração dos planos diretores, verifica-se também a completa inidoneidade do meio.
Note-se que o Estatuto da Cidade desejou inserir os munícipes nas mais profundas discussões sobre política urbana, fazendo da população da cidade este verdadeiro gestor da coisa pública, o que deixou de ocorrer.
Gestão é mais do que gerenciamento, no que já nos deve ser palpável que ninguém é capaz de gerir um plano complexo em apenas uma oportunidade de contato direto. Nesse sentido: “Deve-se frisar o sentido da palavra 'gestão', que difere do mero 'gerenciamento', na medida em que a primeira compreende grande amplitude de responsabilidades de coordenação e planejamento, enquanto a segunda, mais usual na tradição das cidades brasileiras, diz respeito á simples execução cotidiana de tarefas e serviços de administração. Assim, a gestão democrática das cidades implica participação dos seus cidadãos e habitantes nas funções de direção, planejamento, controle e avaliação das políticas públicas.” (Estatuto da Cidade, Coordenador Adilson Abreu Dallari, autora Maria Paula Dallari Bucci, Editora Malheiros, 2 ª Edição, pág. 336).
Portanto, evidente o vício insanável existente no processo administrativo relativo à formalização do anteprojeto questionado.

DA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS AO FINAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO Volta-se a salientar a gestão democrática permite ao munícipe a interferência em todos os momentos do processo, de modo que este possa criticar e ver suas críticas rebatidas pelo Poder Executivo.
O que ocorreu, como restou demonstrado cabalmente dos autos, é que desconsiderando as 31 audiências regionais, realizadas com o foco nos planos regionais e na lei de uso e ocupação de solo, tão-somente 4 (quatro) audiências públicas foram realizadas para debater o anteprojeto legislativo.
Nesta etapa, o anteprojeto já se encontrava pronto, e nas palavras da Municipalidade, à fl. 906: foram marcadas as audiências públicas para “apresentação a população das propostas acolhidas e das alterações efetuadas”.
Ocorre que, uma vez que inexistiram quaisquer outras audiências públicas, de fato as alterações e propostas não poderiam advir de qualquer outro lugar, a não ser da própria Administração ou dos conselhos formados para os fins de conduzir os negócios do Plano Diretor.
Ressalte-se aqui a manifestação da Douta Defensoria Pública: a presunção de legalidade dos atos administrativos é matéria de ordem pública e de regra permeia todos os atos qualificados como tal.
Não que a presunção se inverta neste caso, mas uma vez que as alegações das partes se pautaram em afrontar a participação efetiva da população durante o processo administrativo, alegando a inexistência de qualquer acatamento da Municipalidade quanto ao apresentado nas audiências e impugnando o projeto enviado ao Poder Legislativo, sob o argumento de que este possuía detalhes que não faziam parte dos outros projetos, deveria a Municipalidade ter procedido com um meio idôneo de prova de modo a afastar tais alegações, e não utilizar argumentações genéricas e desprovidas de quaisquer remissões a documentos constantes dos autos.
Outrossim, corrobora a tese das requerentes o fato de que, tão-somente após um mês das audiências públicas que ocorreram de 7 a 10 de agosto de 2007 , o anteprojeto foi remetido a votação final ante a CMPU e então encaminhada ao legislativo.
Ou seja, em um processo complexo que, segundo ambas as partes, necessita de profundos estudos para ser realizado, é no mínimo questionável a capacidade da Administração de com acerto, acatar ou rejeitar motivadamente cada uma das sugestões apresentadas nas 4 (quatro) audiências públicas e, quando acatando, de modificar a sistemática do plano diretor de modo a se coadunar com as expectativas da população.
Ainda, de considerar que ausente qualquer retorno à população sobre o que foi decidido a respeito de suas propostas, eis que nenhuma outra rodada de audiências foi realizada.
E isso depõe contra a alegação de respeito à gestão democrática da cidade. Note-se que a pluralidade de audiências exigidas pelo Estatuto da Cidade também tem como fim a garantia de que a população será chamada a participar em regime direto por mais de uma vez durante o processo administrativo.
Isso justamente para garantir que a população não seria tãosomente convocada ao final do processo, o que foi justamente o que aconteceu, sendo importante ressaltar, mais uma vez, que a CMPU, muito embora possua representantes do povo, não se presta a substituir a exigência especial de democracia direta dos cidadãos.
Por isso, aqui também peca o anteprojeto.

DO PERÍODO DE MANIFESTAÇÃO DOS INDIVÍDUOS DURANTE AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS Dos autos restou guerreado o período de dois minutos o DVD com maior clareza revela o ocorrido -- para a expressão de cada um dos munícipes que compareceram às audiências públicas, alegando os autores que este seria ínfimo, comparando ainda com os 5 (cinco) minutos que são a regra no Poder Legislativo.
A Municipalidade, outrossim, ponderou sobre a proporcionalidade do período de fala, uma vez que de outra forma não seria possível garantir a todos o direito de manifestação, por conta do grande número de presentes, discordando ainda do posicionamento dos requerentes quanto à diferença entre 2 ou 5 minutos.
Com razão a municipalidade quanto à consideração de que não há razão para que 5 (cinco) minutos sejam considerados suficientes, até porque, este Juízo não tem a condição de fazer substituir às vezes da Administração Pública, indicando o caminho correto a seguir.
Entretanto, com toda razão de se afirmar que 2 (dois) minutos, de qualquer ângulo que se veja, é período deveras muito curto para que se possa formular uma opinião útil e construtiva em um tema que, como admite a requerida, sobeja complexidade.
Imagine-se que¸ tal e qual qualquer parecer técnico, nota, cota ou decisão, que esta manifestação necessite de nota introdutória, para situar os ouvintes entre eles, e principalmente, os administradores públicos no tema específico do Plano Diretor que se pretende abordar. Após, seria necessário construir o problema que se considera existente no futuro projeto em conflito com a realidade social que se pretende solver. Em seguida, o processo de criar uma hipótese bem fundamentada, explicitando o porquê de a modificação ser salutar e resolver o problema, seguido de uma solução conclusiva.
Neste sentido, nenhuma surpresa causa a argumentação das requerentes de que nenhuma das sugestões apresentadas em audiências públicas foi de fato aceitas e ensejaram modificações no anteprojeto do plano diretor antes de enviá-lo ao Poder Legislativo.
Utilizando dados sólidos, pode-se verificar, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal quando da Audiência Pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de Ação Afirmativa de Acesso ao Ensino Superior, permitiu a cada participante inscrito a fala por 15 (quinze) minutos, conforme a convocação publicada (sítio: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa, acesso em 09/02/2010), subdividindo uma única audiência pública em 3 dias, nos períodos matutinos e vespertinos, além de responder à indagações por e-mail.
Outrossim, na ocasião das audiências públicas realizadas sobre a importação de pneus usados, o STF permitiu que todos os cidadãos se expressassem por até 20 (vinte) minutos (sítio: www.direito2.com.br/stf/2009/mar/10/audiencia-publica-ouviu-opinioes-favoraveis-e-contrarias-aimportacao e www.tvjustica.gov.br/tvjustica/front_end/maisnoticias.php?id_noticias=7582 acesso em 09/02/2010).
Aliás, em rápida pesquisa comparativa, o menor período de fala de um cidadão que pude encontrar em audiências públicas no ano de 2010 foi de 5 (cinco) minutos, em audiência pública realizada pela Comissão de Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico do Estado da Bahia CORESAB, que tinha como objetivo “obter subsídios e informações adicionais para o processo de estabelecimento das Condições Gerais da Prestação dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário” (sítio: www.coresab.ba.gov.br/audienciapublica.htm --- acesso em 09/02/2010), tema muito mais restrito e pontual do que a discussão de todo um ante-projeto de revisão de plano diretor.
Já em termos de maior tempo para pronunciamento no corrente ano, gize-se, de qualquer cidadão inscrito, em verdadeiro exemplo de democracia participativa, foi na audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal no Pará, versando sobre: “Art. 2º. Dar amplo debate acerca da implantação da Universidade Federal do Oeste do Pará UFOPA. Será discutido, dentre outros: o modelo de ciência a direcionar o currículo universitário, local de implantação e estrutura da universidade, processo de ingresso, cursos de graduação, grade curricular por estrutura curricular, etc. Art. 3º. Prestar esclarecimentos à população e permitir a manifestação dos interessados.” (sítio: www.prpa.mpf.gov.br/noticias/Edital_Audiencia_Publica_Ufopa.pdf -- acesso 09/02/2010) em que cada participante tinha até a impressionante marca de 2 (duas) horas para se manifestar sobre um assunto complexo, mas ainda assim muito menos abrangente do que a revisão do plano diretor.
Já garantindo a ampla defesa nos recursos de apelação, o Código Processual Civil garante ao advogado, como é de amplo conhecimento, período de 15 (quinze) minutos para a sustentação oral das razões de apelação antes do julgamento de seu recurso, nos moldes do artigo 554 do CPC, sendo correto dizer que nesse caso, os Doutos Desembargadores que julgarão o caso em seguida têm amplo conhecimento sobre o que versa a causa.
Exemplos à parte, fica a mesma questão analisada no que tange à quantidade de audiências públicas. Se de um lado o Poder Judiciário não pode achar a solução ideal, nem o razoável ou proporcional, é seu dever verificar se a razoabilidade e a proporcionalidade existiu na forma com que a Administração Pública conduziu as audiências.
Mais ainda, o assunto é conexo com a quantidade de audiências públicas, eis que a argumentação da municipalidade foi que, devido a grande quantidade de candidatos à falar, para permitir à todos a oportunidade, foi necessário o período de tão somente 2 (dois) minutos.
Ocorre que as quatro audiências públicas que foram realizadas, uma em cada região, foram insuficientes segundo os mesmos critérios de razoabilidade e proporcionalidade antes expostos, de modo que por sua insuficiência, somando-se a insuficiência das poucas horas de debate em cada audiência, não existiu período razoável para permitir que, de fato, algum dos munícipes se pronunciasse.
Logo, a escusa do tempo em audiência não é hábil para permitir justificar o tempo mínimo, para não dizer ínfimo, de pronunciamento dos cidadãos de São Paulo.
Pelo contrário, a própria concepção de que por conta da grande procura, ainda que em proporção com a população de São Paulo seja baixíssima procura, para falar durante as audiências públicas apenas contribui para a declaração de que, de fato, o número de audiências públicas foi desproporcional, que estabelecer os ditos dois minutos para pronunciamento como forma de permitir a todos a manifestação durante a audiência foi igualmente um ato desarrazoado e desproporcional.
Por fim, deixo de acolher os itens especificados no pedido “c” de fl. 21 por caber ao juízo apenas os aspectos amplos de legalidade do devido processo legal legislativo, margem que não autoriza a invasão e vinculação do Poder Legislativo em condutas especificadas ora requeridas pelos autores ainda que tenham relevo para o melhor estar da sociedade paulistana.

DISPOSITIVO
Posto isso, julgo em parte procedente a pretensão inicial para: i) invalidar o Projeto de Lei Municipal n. 01-0671/2007; ii) determinar a realização do efetivo processo de tramitação do anteprojeto de Lei de Revisão do Plano Diretor do Município de São Paulo, assegurando-se os princípios da Gestão Democrática da Cidade de São Paulo e da participação popular, especialmente em relação aos atos de tramitação provenientes do Poder Executivo.
Em conseqüência, extingo o feito, com resolução do mérito, nos moldes do artigo 269, I, do Código de Processo Civil.
Ante a sucumbência mínima da parte autora, condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios que ora fixo, nos termos do art. 20, §3º e §4º, do CPC, em R$1.000,00, atualizado, por eqüidade.
Tendo em vista que o mencionado Projeto de Lei n. 01- 0671/2007 encontra-se tramitando na E. Câmara Municipal de São Paulo, diante dos argumentos lançados nesta sentença que concluiu pela sua invalidação e também com a finalidade de se evitar prejuízo futuro, concedo a tutela antecipada determinando a imediata suspensão do mencionado Projeto, cabendo no mais àquela Casa Legislativa tomar as medidas cabíveis.
Custas na forma da lei.
Sentença sujeita a reexame necessário.
P.R.I.Comunique-se de imediato à E. Câmara Municipal de São Paulo.
São Paulo, 29 de julho de 2010.

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