30 de janeiro de 2010

Tombamento do Patrimônio Histórico da Lapa e a ética com o futuro da cidade e de seus moradores

Artigo do Mover sobre o processo de tombamento na Subprefeitura da Lapa (03 de junho de 2009)

Tombamento do patrimônio histórico da Lapa e a ética com o futuro de nossa cidade e de seus moradores

Ros Mari Zenha
Membro do Movimento de Oposição à Verticalização Caótica e pela Preservação do Patrimônio da Lapa e Região - MOVER

Sidney Scarazzati de Oliveira
Membro do Movimento de Oposição à Verticalização Caótica e pela Preservação do Patrimônio da Lapa e Região - MOVER

A sociedade civil, em especial os moradores da Lapa e Vila Leopoldina, têm acompanhado, atentamente, os desdobramentos do processo de tombamento do patrimônio histórico da Subprefeitura da Lapa.

Conseguimos obter, com muita dificuldade e por meio da Câmara Municipal, os estudos do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria Municipal de Cultura, que subsidiaram as decisões tomadas pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), que, em nenhum momento, disponibilizou estes estudos para a sociedade e sequer se dignou a apresentar e com ela debater os resultados de seu parecer.

Apesar do pouco tempo de que os cidadãos comuns dispõem para efetuar análises mais acuradas, na medida em que, na sua maioria, não podem fazê-lo durante o horário comercial, debruçamo-nos sobre os documentos à noite e em finais de semana e aproveitamos a oportunidade para explicitar algumas reflexões e inúmeras perplexidades.

Nos documentos do DPH, no capítulo relativo ao Histórico da região da Lapa, há um item intitulado Panorama atual: indústrias versus grandes empreendimentos imobiliários, que vale a pena ser analisado.
Tomamos a liberdade de transcrever alguns trechos (os grifos são nossos): “entre as décadas de 1950 e 1969, a abertura das avenidas marginais dos rios Pinheiros e Tietê, somado à abertura de novas estradas de rodagem, contribuiu para a intensificação da função comercial do bairro da Lapa, do mesmo modo que a ferrovia tivera participação ativa na implantação de indústrias desde o final do século XIX.... Com o processo de saída das indústrias da capital paulista, o mercado imobiliário direcionou seus interesses ao uso das antigas áreas industriais... Nos últimos anos, as instalações da antiga fábrica de Louças Santa Catarina (observação nossa: área em que se encontraram fragmentos da primeira indústria de louça faiança, literalmente desconsiderado pelo Poder público), sucedida pela de Biscoitos Petybon e parte das instalações da Editora Melhoramentos, ambas na Vila Romana, deram lugar a condomínios residenciais de alto padrão. Bairros como Água Branca, Lapa e Barra Funda têm atraído, desde os anos 1990, incorporadoras estimuladas pela Operação Urbana Água Branca e pela presença de rede de trens urbanos e metrô. Também a área de Vila Leopoldina e imediações conheceu um boom imobiliário, estimulado pela Operação Urbana Faria Lima. Investidores estudam o mercado imobiliário e definem estratégias de atuação, com vistas à otimização dos lucros em seus empreendimentos. Desse modo, têm visto nas antigas indústrias da zona Oeste da cidade uma atraente promessa de retorno relativamente rápido do investimento realizado. Trata-se de uma perspectiva mercantil que elide a história e o passado, pois enxerga nessas edificações apenas imóveis velhos e abandonados. Os bens relacionados (quando da abertura do processo de tombamento em 2004) são expressão das características mais marcantes da Lapa e arredores: estações e galpões ferroviários, indústrias que se beneficiavam da proximidade do rio para terem acesso à água, argila e areia, necessárias à fabricação de cerâmica e vidro, além da vizinhança da estrada de ferro, que facilitava o escoamento da produção; instituições assistenciais, culturais, educacionais e religiosas, criadas por operários ou voltadas ao atendimento dessa população; o casario simples; entrepostos de alimentos; local de passagem ou ponto de encontro de caminhos. Patrimônio de características diversas, herdado de um tempo passado, que impõe desafios à sua preservação”.

Perguntamos: será que esses desafios foram enfrentados pelo Poder Público, em especial pelo Conpresp, a quem compete preservar a memória de nossa cidade?

As unidades urbanísticas, indicadas pela sociedade civil, em mais de 30 audiências públicas e que fazem parte do Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Lapa (25 de agosto de 2004), enquadradas como ZEPEC (Zona Especial de Preservação Cultural) são 51 e foram analisadas pelo DPH.

Passados 5 longos anos de análise, o resultado do parecer do Conpresp, baseado nesses estudos, em 12 de maio de 2009, contempla, numa primeira etapa, o tombamento de 17 unidades urbanísticas.
Façamos, ainda que como leigos, uma análise deste resultado.

Entre os que foram tombados estão 3 colégios (Anhangüera, Pereira Barreto e Guilherme Kuhlman), 2 residências de personalidades (do Dr Henrique Dumont Villares e do poeta Guilherme de Almeida), 2 igrejas (São João Maria Vianney e Nossa Senhora da Lapa), Estação Ciência USP, Mercado Municipal da Lapa, SESC Pompéia, Instituto Rogacionista, sede da Banda Operária da Lapa e Viaduto Pacaembu – 13 unanimidades (será que alguém opor-se-ia ou faria gestões contra o tombamento destas unidades urbanísticas??).

Restou, neste bloco, o patrimônio industrial da Lapa, este sim objeto de pressões e interesses do mercado imobiliário. Qual terá sido o resultado do parecer do Conpresp?

As unidades urbanísticas que foram tombadas parcialmente: Cooperativa Agrícola de Cotia (somente 3 galpões: o restante da área foi liberado, desconsiderando-se, inclusive, que nela havia uma ZEIS – Zona Especial de Interesse Social, destinada à construção de moradia popular) . Neste momento, por conta de contaminação existente na área do imóvel, já em mãos de um grupo imobiliário, está em andamento, na Câmara Municipal, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI); Galpão Industrial à Avenida Santa Marina onde se produziam tubos de barro (tombou-se somente a fachada), Fábrica da Companhia Melhoramentos (tombou-se somente a edificação que funciona como escritório - fotos Sidney S. Oliveira) e galpão industrial à rua Padre Chico (tombado, hoje já ocupado pelas Faculdades São Camilo).

E que dizer das unidades urbanísticas excluídas do tombamento, consideradas sem relevância para o patrimônio histórico e cultural ou, em alguns casos, “em estado de ruína” (resultado do longo tempo de espera pelos estudos e ao descaso da administração pública na proteção dos bens em processo de tombamento)?

Foram 21, dentre as quais destacam-se 8 galpões industriais: (1) galpão industrial ferroviário da Avenida Santa Marina 325, (2) galpão industrial da antiga fábrica Brafor na Avenida Santa Marina 780, (3) galpão industrial da rua Campos Vergueiro 140, (4) galpão industrial da rua Coroados 43, (5) galpão industrial da antiga Fábrica de Tecidos e Bordados da Lapa na rua Engenheiro Fox 474, (6) galpão industrial da rua Faustolo 512, (7) galpão industrial da rua Caio Graco 111 e (8) antigo frigorífico Armour. As demais unidades urbanísticas incluem 1 escola privada, 2 pontes, 1 quartel do Exército (Batalhão de Suprimentos), 1 coreto e 7 casas/sobrados, parte das quais situadas à rua Guaicurus, paralela ao eixo da ferrovia.

Pode-se argumentar que somos leigos e nada entendemos de teorias ou concepções sobre patrimônio histórico.

Entretanto, estudiosos do Comitê Brasileiro de Preservação do Patrimônio Industrial reforçam nosso entendimento, quando dizem: “Argumentar, como fez o Conpresp, que o patrimônio industrial é desprovido de “valor arquitetônico”, ao mesmo tempo em que envergonha nossos bons arquitetos e urbanistas que compreendem a natureza dos processos de registro e permanência da memória, implica desconhecer em profundidade os processos produtivos e os valores estéticos da produção industrial – em escala, planejada e dentro de um saber comum de especialistas não necessariamente renomados”.

Bem, é importante informar à sociedade que o processo de tombamento ainda não acabou.

Qual será o destino do casarão do antigo asilo da rua Turiassu (de 1919), da antiga casa de taipa da rua São Bartolomeu (década de 1920), das casas das ruas Antonio Fidelis, rua Félix Guilhem e Rua Engenheiro Fox (todas da década de 1910/1920); do conjunto de sobrados da rua Coriolano (década de 1950) e, especialmente, do prédio da fábrica da vidraria Santa Marina, construída ao final do século XIX e o antigo galpão fabril da metalúrgica Martins Ferreira (década de 1920 - fotos Paulo Cauhy) dentre outros?

Quando olhamos o destino que é dado ao patrimônio industrial em países como a Itália, Canadá, Espanha, Alemanha, França e Argentina (apenas para citar alguns exemplos) somos envolvidos por total perplexidade e nos sentimos impotentes perante a pequenez da visão de nossos governantes, pendidos aos interesses do mercado imobiliário, cuja influência é notória no aparelho de Estado.

O que nos espera então? Podemos imaginar o desenho do espaço urbano de nossa região?

O horizonte com o qual nos deparamos é o de um “paliteiro”, um amontoado de prédios que não respeita a capacidade de suporte de nossos bairros, tornando-os intransitáveis, poluídos, sem paisagem, despido da memória de sua formação e menos humanos. E não pensem que essas construções estão ajudando a reduzir a carência de moradias em nossa cidade, pois esse adensamento construtivo nada tem a ver com densidade de população. Hoje, estudiosos consideram São Paulo uma “cidade oca”!!

A destinação inteligente desse patrimônio deveria estar atrelada ao planejamento urbano da região e da cidade, aos planos de bairro (que, infelizmente, foram retirados do projeto de lei do Executivo relativo à revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo ora em discussão no Legislativo) e ao que se pretende fazer utilizando os instrumentos urbanísticos como a Operação Urbana Consorciada Leopoldina-Jaguaré dentre outras.

Finalmente, é preciso impedir e rever estas decisões em prol dos interesses maiores da nossa sociedade. É preciso dar transparência ao debate e às decisões tomadas.

A cidadania já não suporta mais tanta arrogância e descaso e é por conta disso que vem informando, sistematicamente, o Ministério Público do Estado de São Paulo do que vem acontecendo.

Lembramos que o Legislativo conta com um representante no Conpresp e parte dos parlamentares (8 pelo menos) têm acompanhado as lutas dos movimentos de cidadania da Lapa. O que têm a dizer sobre tudo isso?

São Paulo, 03 de junho de 2009

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