16 de março de 2010

Algumas reflexões sobre o artigo Verdades Inconvenientes, de autoria do vereador José Police Neto, publicado no Estadão de 16 março 2010

Acabei de ler o artigo do vereador Police Neto (Verdades Inconvenientes - Estadão de 16 março 2010) e tomo a liberdade de fazer algumas considerações, já que a revisão do Plano Diretor merece o confronto de idéias:

1) Os argumentos utilizados pelo vereador têm lógica e parece-me que ninguém, em sã consciência, é contrário ao que foi por ele explicitado; de fato, não é preciso ser urbanista para se dar conta da necessidade premente de se buscar a ocupação inteligente do espaço de nossa cidade e a cidadania organizada, via Frente de Entidades, tem reiterado, inúmeras vezes, os mesmos argumentos;

2) A questão é: como a cidadania terá garantias objetivas, embasadas em legislação pertinente ao tema, de que os temas levantados pelo vereador serão, de fato, considerados? Infelizmente, a história tem demonstrado o contrário - as intenções não se traduzem em instrumentos objetivos que permitam colocá-las em prática;

3) Nós, cidadãos e cidadãs, queremos ter, escrito no papel, em detalhe, as mudanças propostas (o que é e o que se pretende). Vamos a alguns exemplos:

. Norteamento do desenvolvimento urbano segundo a capacidade de suporte do território e não segundo a sanha imobiliária: estamos de total acordo. Agora, queremos discutir qual é o conceito de capacidade de suporte a ser explicitado na legislação e quais as variáveis e cálculos técnicos a serem considerados : meio físico (inclusive subterrâneo)? clima local? infraestrutura? equipamentos sociais? dentre outros ( geralmente, estudos de capacidade de suporte limitam-se à infraestrutura, com ênfase no viário - não é isso o que se espera). A falta de clareza pode nos levar a assinar um cheque em branco, pois são belas palavras e belos conceitos que precisam ser traduzidos em legislação. Digo isso, porque conceitos, quando não explicitados com clareza, levam a equívocos, a exemplo do conceito de cidade compacta, tão utilizado em documentos oficiais, e que têm servido para justificar a densidade construtiva que a cidade enfrenta (temos refletido sobre isso - ver http://moverlapa.blogspot.com/)

. A questão da macroáreas e planos de bairro: temas que já estavam embutidos no PDE vigente e que foram retirados pelo Executivo quando enviou o projeto de lei à Câmara e que foram reinseridos por conta da pressão da sociedade civil organizada. Vamos explicar com clareza o que se pretendia com a supressão das macroáreas: transformar o território da cidade em uma "folha em branco", sem suas especificidades regionais e locais e que poderiam restringir o ataque avassalador da sanha imobiliária, fazendo de conta que a cidade não tenha história, fazendo de conta que suas frações de território não têm singularidades, ou seja, abrindo a possibilidade do vale tudo em qualquer lugar. O tema dos planos de bairro, tão caro à cidadania, até hoje dorme nos escaninhos do Executivo: imagine, na atual conjuntura de centralização e vale tudo imobiliário, ter que se ouvir os moradores para com eles construir uma visão de futuro de seus bairros com sustentabilidade e qualidade de vida.

. Impermeabilização e estoques de outorga onerosa - concordância absoluta, incluindo o tema do valor da outorga onerosa (está correto??)

. Por último, acho que não podemos e não devemos esquecer a questão metropolitana: não podemos mais resolver os problemas que nos afligem dentro da fronteiras administrativas do município.

Bem, continuemos refletindo ...

Ros Mari

Artigo

Verdades Inconvenientes

José Police Neto - O Estado de São Paulo – 16 março 2010

O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, em artigo publicado no Estado (Plano Diretor sem revisão, e agora?, 19/2, A2), dá o importante passo de estimular o debate na imprensa sobre a revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo. A questão fundamental está posta por ele: se o Plano Diretor deve ou não ser revisado e, em caso positivo, segundo quais critérios.
A revisão do plano é um mecanismo previsto na própria lei. Sua avaliação pode ser facilmente comprovada pelos jornais, que apontam quilômetros de congestionamento ou metros de água em inúmeras enchentes. Isso nos dá a inequívoca medida da necessidade urgente de revisão do plano.
Não é necessário ser urbanista para detectar a real demanda por alterações no plano a fim de garantir a qualidade de vida e a sustentabilidade na cidade. As enchentes que afogaram a capital paulista neste verão, por exemplo, demonstram que a impermeabilização de 85% do terreno - permitida pela legislação presente - não é sustentável. Esse porcentual define a parte do terreno construída, e que, portanto, não absorve as águas da chuva. Tal número tem efeito direto sobre as enchentes na cidade.
Outro sério problema do plano em vigor é a autorização gratuita para edificação de até 100% da área do terreno, ou seja, um terreno de mil metros quadrados pode ter até mil metros quadrados de área construída. O Plano Diretor em vigor privilegia a especulação imobiliária ao garantir às empresas ligadas ao Secovi o dobro dos direitos dados aos demais cidadãos, pois permite a edificação do dobro da área do terreno.
Há também que levar em conta os elevados estoques de outorga onerosa - permissões para construir além da área já concedida - utilizados ou ainda por utilizar, de acordo com o plano em vigor. O senso comum de qualquer morador de Moema, por exemplo, despertaria sérias desconfianças de que o distrito não tem condições de suportar a construção de duas vezes a área do terreno, por ser bairro verticalizado, segundo o plano em vigor, mais o estoque de outorga onerosa de construção de190 mil metros quadrados, dos quais menos de 42 mil foram utilizados. O mesmo diria o morador do Butantã, que tem menos de 2% dos 100 mil metros quadrados de outorga onerosa utilizados, ou o cidadão que vive no Tatuapé - em especial, no Jardim Anália Franco -, que, mesmo só tendo 25% dos 350 mil metros quadrados de outorga já comprometidos, tem sérias dúvidas sobre a capacidade de a infraestrutura viária suportar volume várias vezes maior de trânsito.
Uma das teses mais importantes levantadas durante as 40 audiências públicas sobre a revisão do Plano Diretor, realizadas por toda a cidade, foi o norteamento do desenvolvimento segundo a capacidade de suporte. Firmado no conceito de equilíbrio urbano, o desenvolvimento da cidade deve vincular o potencial construtivo de cada área à capacidade de suporte de infraestrutura, calculado por critérios técnicos e objetivos, levando em conta as múltiplas variáveis necessárias à promoção da qualidade de vida.
O plano em vigor foi embasado nas "tendências de mercado imobiliário", segundo afirmação do urbanista Jorge Wilheim em entrevista a este jornal. "Era o instrumento que tínhamos à época e por isso a revisão é necessária. Desde que a capacidade dos transportes seja respeitada", declarou ao Estado em março de 2009. Essa fragilidade técnica é o foco da revisão que está sendo discutida. Sem essa adequação não há como vencer os gargalos impostos à cidade em futuro muito próximo, muito menos desconstruir o caos já instalado.
O que se propõe é que a capital cresça nos próximos anos nas áreas em que a capacidade de suporte esteja comprovada por cálculos técnicos, não segundo os interesses do mercado imobiliário.
A substituição de uma cidade delineada atualmente pelas "tendências de mercado" por outra definida segundo parâmetros sociais, ambientais, de justiça e de sustentabilidade é uma batalha dura, porém urgente. Nos últimos sete anos a cidade, cujo planejamento foi delineado pelo plano que aí está, teve um crescimento de 400 milhões para 460 milhões de metros quadrados de área construída, ou seja, mais de 13%. Crescimento esse concentrado em 12 distritos já saturados e de tendências explícitas do mercado.
Contestada em sua capacidade de debater o Plano Diretor, a Câmara Municipal comprova sua competência por ter apresentado dois dos pontos inovadores do plano em vigor: a criação das Macroáreas e dos Planos de Bairro. Esses dois pontos tiveram grande destaque e enfático debate nas audiências públicas, nas quais ficou clara a necessidade de consolidar e ampliar os dois conceitos.
O Plano Diretor merece o confronto de ideias. Não é possível, nem desejável, garantir a uniformidade de opiniões e comportamentos sobre uma cidade de tal diversidade como São Paulo, principalmente porque se trata de interesses plurais e complexos. A síntese é necessária e, nesse sentido, as reflexões de urbanistas, planejadores urbanos e, em especial, da sociedade são essenciais, pois estimulam o bom debate sobre o que temos e o que queremos. É preciso, contudo, salientar que há limites físicos, geográficos, ambientais, sociais e humanos estabelecendo parâmetros muito objetivos para o futuro da cidade.
A relatoria do Plano Diretor não cairá em nenhuma armadilha, recusando-se de forma veemente a entregar a cidade e o bem-estar de seus cidadãos à sanha do mercado. O relator do Plano Diretor não vai entregar a mercadoria vendida pelo autor do plano em vigor, em detrimento dos interesses maiores da cidade e seus habitantes, por mais acirrada que se torne a "guerra" em torno do futuro de São Paulo.
VEREADOR EM SEGUNDO MANDATO (PSDB), LÍDER DO GOVERNO, É RELATOR DA REVISÃO DO PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO NA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

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